*Por Jacinta Macedo Birkner Guimarães
O art. 27 da Lei nº 8.666/93 efetivou a classificação dos requisitos de habilitação, os quais constituem numerus clausus. Em outras palavras: a relação de documentos constantes nos arts. 28 a 31 é, portanto, taxativa, consubstanciando-se em ilegalidade a exigência editalícia que a extrapole. Não é outro o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU), proferido no Acórdão nº 991/2006 - Plenário: “Voto: (...) 4. Além disso, para habilitação de interessado em participar de licitação só pode ser exigida a documentação exaustivamente enumerada nos art. 27 a 31 da Lei de Licitações e Contratos...”.[1]
A Lei nº 8.666/93 não contempla, no que tange aos requisitos habilitatórios, qualquer documento alusivo a certidões emitidas por órgãos de controle ou de cadastros unificados, a exemplo da certidão do Tribunal de Contas da União (TCU), do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou do Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN). Para melhor elucidação, serão traçadas brevemente a definição e finalidade de cada uma delas, a seguir:
a) Certidão do TCU: a Corte de Contas Federal disponibiliza em seu site a possibilidade de emissão de dois tipos de certidão: a Certidão de Nada Consta, ou a Certidão Negativa de Contas Julgadas Irregulares. Neste sentido, é imperioso transcrever o que o TCU informa:
b) Certidão do CEIS: o CEIS nada mais é que um cadastro mantido pela Controladoria-Geral da União, que relaciona as empresas que receberam sanções “que tenham como efeito restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública”.[3] Desta forma, por ser apenas um cadastro em que consta a relação das empresas inidôneas e suspensas, a ferramenta não disponibiliza a emissão de certidões. Outrossim, a Administração é que deve realizar a consulta, a fim de evitar incursão no crime tipificado no art. 97 da Lei nº 8.666/93: “Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração”. Vide, neste toar, Acórdão nº 1.793/2011 – Plenário do TCU.
c) Certidão do CNJ: consultando-se o portal do CNJ, encontra-se a possibilidade de emissão da certidão referente ao Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por ato de improbidade Administrativa (CNIA), que é uma “ferramenta eletrônica que permite o controle jurídico dos atos da Administração que causem danos patrimoniais ou morais ao Estado”.[4] E mais: sua finalidade é “imprimir às decisões judiciais maior eficácia”,[5] no tocante, entre outras, quanto à proibição de contratação com a Administração Pública. Mais uma vez, este cadastro pode ser consultado pela Administração, sendo ilegal sua exigência para fins de habilitação em licitações.
d) Certidão do CADIN: regulado pela Lei nº 10.522/02, o CADIN constitui-se na relação das pessoas físicas e jurídicas que sejam responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, para com Órgãos e Entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta; ou, que estejam com a inscrição nos cadastros indicados do Ministério da Fazenda, em uma das seguintes situações: cancelada no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF); ou declarada inapta perante o Cadastro Geral de Contribuintes (CGC). De acordo com o art. 6º, da Lei nº 10.522/02, tem-se que: "Art. 6º - É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para: (...) III - celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos".
Baseando-se no disposto no inc. III acima transcrito, impõe-se a obrigatoriedade de consulta ao CADIN, antes do estabelecimento efetivo da relação contratual junto à Administração Pública; entretanto, não se veda a contratação na hipótese de haver a referida inscrição. Por expressa previsão legal, a consulta ao CADIN é sim obrigatória anteriormente à execução das atividades listadas nos incisos do destacado art. 6º, sendo que a palavra “consulta”, é entendida como a simples verificação das pessoas físicas e jurídicas listadas no banco de dados federal. Em suma, tratando-se de mera averiguação do conteúdo de tal listagem, o fato de determinada pessoa física ou jurídica estar irregular perante o CADIN, não a impedirá de participar de licitações ou vir a ser contratada pela Administração. Corroborando com tal assertiva, vede Acórdão nº 7.832/2010 – Primeira Câmara, do TCU.[6]
Portanto, a exigência de documentos para fins de habilitação em licitações públicas (ou para fins de contratação direta via Credenciamento de interessados) deverá embasar-se no rol contido nos arts. 28 a 31 da Lei nº 8.666/93, de modo que as exigências aludidas como exemplo não encontram embasamento nos referidos mandamentos, devendo ser consideradas ilegais. “A Administração não deve formular, em habilitação, exigências que não estejam expressamente autorizadas no artigos 28 a 31 da Lei nº 8.666/93”.[7] Ressalte-se que, “quando o objeto do contrato envolver bens ou atividades disciplinados por legislação específica, o instrumento convocatório deverá reportar-se expressamente às regras correspondentes”,[8] como é o caso de serviços de vigilância, regidos pela Lei nº 7.102/83, que determina regras específicas para o exercício da atividade, que devem ser atendidas pelos licitantes como condição de habilitação.[9]
Diante de todo o exposto, a exigência de certidões não contempladas nos arts. 27 a 31 da Lei nº 8.666/93, a exemplo das certidões do TCU, CEIS, CNJ e CADIN é ilegal, haja vista o rol elencado nestes dispositivos ser taxativo. Conquanto, qualquer exigência editalícia neste sentido carece de legitimidade, além de restringir o caráter competitivo do certame e reduzir o universo de interessados em contratar com a Administração Pública, sob pena, ainda, de eventuais questionamentos por parte dos órgãos de controle. Demais disso, também vão de encontro ao que estabelece a Constituição da República, em seu art. 37, inc. XXI, no sentido de que extrapolam as premissas nele contidas, na medida em que somente se “permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
[1] TCU. Acórdão 991/06. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Guilherme Palmeira. DOU: 26/06/06.
[2] Disponível em: . Acesso em: 29/01/2018.
[3] Disponível em: . Acesso em: 29/01/2018.
[4] Disponível em: . Acesso em: 29/01/2018.
[5] Idem.
[6] “Relatório: (...) 15. Com isso, a discussão encontra-se superada, no sentido de que a obrigatoriedade da consulta não significa proibição de contratar com aqueles que constam do cadastro. 16. Apesar disso, a ausência ou não de consulta ao CADIN não necessariamente levará a contratações de empresas ou entidades que constem daquele cadastro, desde que, no mínimo, tais contratações avaliem previamente a regularidade fiscal dos interessados, nos termos do artigo 27 da Lei nº 8.666/93; do artigo 3º, §2º, incisos III, alínea a, e V do Decreto nº 6.170/2007 e do artigo 18, inciso VI, da Portaria MP/MF/MCT 127/2008, dentre outros dispositivos. 17. Nesse contexto, embora a consulta ao CADIN possa parecer inócua é obrigatória por Lei. E mesmo considerando que o simples fato de constar do cadastro não seja, isoladamente, um fator impeditivo para a celebração de contratos ou outros ajustes com a Administração Pública, a consulta poderá auxiliar na verificação das informações prestadas pelos administrados e pelos demais órgãos da Administração, em especial as constantes em certidões e declarações. 18. Registro, por fim, que o recorrente tem razão ao afirmar que o inciso III do artigo 6º da Lei do CADIN não exige a consulta prévia quando da formalização de processos licitatórios, o que leva à necessidade de adequar o texto da determinação” (sem grifos no original).
[7] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 395.
[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 737.
[9] NIEBUHR, Joel de Menezes. Op. cit., p. 434.