A Lei 8.666/93, em seu art. 87, prevê, entre as sanções aplicáveis pela inexecução total ou parcial do contrato, a declaração de inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público. Veja-se:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
[...]
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Consoante preconiza Lucas Rocha FURTADO, tal sanção tem como principais características:
a declaração de inidoneidade somente pode ser aplicada por Ministro de Estado ou por autoridade equivalente (Secretário Estadual ou Municipal); (...) não possui prazo certo. Todavia, decorridos dois anos da aplicação da declaração de inidoneidade, a empresa punida poderá pedir sua reabilitação; e (...) a declaração de inidoneidade impede a contratação da empresa ou profissional punido, enquanto não reabilitados, em toda a Administração Pública federal, estadual e municipal, direta e indireta. [1]
Embora as noções acerca de tal sanção sejam corriqueiras, sua definição revela-se fundamental. Isso porque, há outra sanção, também denominada como “declaração de inidoneidade”, mas que possui aplicabilidade e finalidade completamente distinta da sanção estampada na Lei 8.666/93. Trata-se da sanção disposta pela Lei 8.443/92, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (TCU), que dispõe em seu art. 46: “Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”.
De acordo com o TCU:
A previsão normativa da declaração de inidoneidade desestimula licitantes a praticarem fraudes em procedimentos licitatórios, ao tempo em que evidencia a importância de esses certames públicos serem conduzidos em consonância com os princípios e diretrizes estabelecidos pela legislação (finalidade preventiva geral).
Havendo malogro da finalidade primária, o licitante fraudador será declarado inidôneo para participar de licitações realizadas pela Administração Pública Federal pelo prazo estabelecido no acórdão condenatório. A aplicação da penalidade ao fraudador dá concretude à norma legal sancionadora que alberga a tutela ao bem jurídico protegido, ao mesmo tempo em que retribui ao agente o mal por ele causado à coletividade (finalidade retributiva), e o afasta de futuros certames por prazo determinado (finalidade preventiva especial). [2]
Na praxe administrativa, conhecer a diferença entre os dois institutos é fundamental. Saber-se que tais sanções, embora possuam a mesma nomenclatura, possuem finalidades distintas e que, por essa razão, não se confundem, é de suma importância para os agentes públicos, que devem considerar não somente as leis que regem as licitações e contratos administrativos, como também o ordenamento jurídico em sua totalidade. Ademais, tal distinção revela-se fundamental para o deslinde do questionamento proposto neste estudo. Sobre o tema, veja-se importante julgado do Supremo Tribunal Federal (STF):
O poder outorgado pelo legislador ao TCU, de declarar, verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal (art. 46 da L. 8.443/92), não se confunde com o dispositivo da Lei das Licitações (art. 87), que - dirigido apenas aos altos cargos do Poder Executivo dos entes federativos (§ 3º) - é restrito ao controle interno da Administração Pública e de aplicação mais abrangente. [3]
Ainda, sobre a distinção entre as referidas sanções e a ausência de contradição entre elas, o Tribunal de Contas da União (TCU) posicionou-se nos seguintes termos: “não existe contradição entre o disposto nos artigos 46 da Lei 8443/1992 e 87, inciso IV, in fine e §3º, in fine, da Lei 8666/1993. O primeiro dispositivo é aplicável à fraude à licitação e o segundo trata de sanção pela inexecução total ou parcial do contrato. São circunstâncias distintas. Verificada fraude à licitação, é competente o Tribunal para aplicar a sanção. Tratando-se de inexecução total ou parcial de contrato, cabe ao Ministro de Estado declarar a inidoneidade”. [4]
Em suma, tem-se, então, que a sanção de declaração de inidoneidade, com fundamento no art. 87, inc. IV, da Lei 8.666/93 é aplicável nos casos em que o particular deixa de executar ou não executa a contento, o todo ou parte do objeto licitado, enquanto que a sanção de declaração de inidoneidade, aplicada com fulcro no art. 46, da Lei 8.443/92 decorre de fraude à licitação. Por essa razão, considerando tratarem-se, repisa-se, de sanções com finalidades, competências e prazos completamente distintos, não haverá óbices para a cumulação de tais sanções, acaso constatada a inexecução e a fraude, não configurado, portanto, bis in idem.
[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 519.
[2] TCU. Acórdão nº 348/2016. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues. Data da sessão: 24/02/2016.
[3] STF. Pet 3606 AgR. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em: 21/09/2006.
[4] TCU. Acórdão nº 2.421/2009. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues. Data da sessão: 14/10/2009.