Adoção do critério de julgamento “menor preço” global
Análise quanto aos requisitos a serem observados
20 de abril de 2018
 
*Por Jacinta Macedo Birkner Guimarães

É cediço que o art. 15, inc. IV e o art. 23, §1º, ambos da Lei nº 8.666/93, trazem a previsão de que “as compras, sempre que possível , deverão ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias”, e as obras, serviços e compras, serão divididas “em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis”. Em outras palavras, a Administração deve realizar uma análise em que se coteje a necessidade/vantajosidade de licitar o objeto de forma conjunta, sob o enfoque da inviabilidade técnica ou econômica; ou ao contrário, proceder contratações individualizadas, utilizando-se do critério de julgamento “menor preço” por item (item de lote, grupo, a depender da nomenclatura comumente utilizada no Órgão/Entidade).

Dois aspectos devem ser considerados, então, previamente à decisão de licitar o objeto como um todo, ou de modo individualizado/parcelado: primeiramente, se o objeto comporta materialmente a divisão, sem qualquer prejuízo; e segundo, se a divisão é a opção mais vantajosa para a Administração, do ponto de vista técnico e econômico.

Comportar materialmente a divisão traduz-se na manutenção das características e especificações do objeto, pois “o fracionamento em lotes deve respeitar a integridade qualitativa do objeto a ser executado. Não é possível desnaturar um certo objeto, fragmentando-o em contratações diversas e que importam o risco de impossibilidade de execução satisfatória”[1] (negritou-se)

Quanto à análise técnica e econômica, resume-se em se assegurar que a decomposição do objeto permanecerá a mais vantajosa. Exemplificativamente, pode-se imaginar a aquisição de computadores. Tecnicamente, pode não ser mais vantajoso para a Administração adquirir cada componente do computador em separado, sendo cada elemento de um fabricante diferente; o que pode ocasionar o mau funcionamento do conjunto. Além disso, sob o panorama econômico, a aquisição fracionada pode resultar em uma compra mais custosa do que licitar o conjunto, obtendo-se menores descontos e preços maiores.

Nada obstante, a Súmula 247 do Tribunal de Contas da União (TCU) estipula a obrigatoriedade da adjudicação por itens, mas traz a exceção: o objeto deve ser divisível, e não deve haver prejuízo para o conjunto ou perda de economia de escala:

Súmula 247: É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade (negritou-se).
 
No entanto, quanto à Súmula 247 supracitada, o próprio TCU pronunciou-se pela sua inaplicabilidade, quando não preenchidos os requisitos de um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala. Observem-se alguns excertos de dois Acórdãos neste sentido:
 
69.       Primeiramente, ressalto que o previsto nos artigos 23, § 1º, e 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/1993, bem como na Súmula 247 do TCU, é que a divisão do objeto licitado ocorrerá em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis desde que reste comprovado que tal parcelamento ocasiona melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala.
70.       No caso concreto tratado nestes autos, contudo, verifico que a Seplan/RO, inicialmente, tentou parcelar a obra em tela, licitando-a em 18 lotes, conforme constou no Edital da Concorrência Pública n. 003/08/CPLO/SUPEL.
71.       Entretanto, conforme Relatório Técnico de fls. 582/584 – vol. 2, a anulação dessa licitação se fez necessária por que se verificou que as empresas interessadas no certame estavam questionando a exequibilidade de serem tocados 18 contratos paralelos e detectou-se a dificuldade de se gerenciar a inevitável interferência entre os serviços abrangidos por contratos diferentes.
72.       Acrescente-se que também a questão da economicidade ficou comprometida com esse parcelamento, à título de exemplo, os custos totais com serviços preliminares, na divisão em 18 lotes, alcançaram o montante de R$ 1.149.998,48, e, no caso de licitação única esse valor era de R$ 969.343,81, observando-se um acréscimo de custos de R$ 180.654,67, só nesses itens do orçamento.
73.       O que se observa é que o usual para esse tipo de obra (sistema de abastecimento de água em capitais e centros urbanos de porte médio) não tem sido o parcelamento. Nesse sentido, cito os recentes julgados desse Tribunal (Acórdãos ns. 966/2011 e 314/2011, ambos do Plenário), referentes às cidades paraibanas de Campina Grande e João Pessoa, em que não se considerou inadequada a realização de licitação única, abrangendo todo o empreendimento, de tal forma que o gerenciamento por parte do órgão contratante restringiu-se ao controle da execução de apenas um contrato.
74.       Diante desse contexto, entendo que não restou comprovado nestes autos que caso a Seplan/RO tivesse dado continuidade à Concorrência Pública n. 003/08/CPLO/SUPEL, em vez de lançar novo certame em lote único (Concorrência n. 020/08/CPLO/SUPEL/RO), o parcelamento ocasionaria melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala[2] (grifou-se e negritou-se).
 
9.         Urge frisar, preliminarmente, que a adjudicação por grupo ou lote não pode ser tida, em princípio, como irregular. É cediço que a Súmula nº 247 do TCU estabelece que as compras devam ser realizadas por item e não por preço global, sempre que não haja prejuízo para o conjunto ou perda da economia de escala. Mas a perspectiva de administrar inúmeros contratos por um corpo de servidores reduzido pode se enquadrar, em nossa visão, na exceção prevista na Súmula nº 247, de que haveria prejuízo para o conjunto dos bens a serem adquiridos.
10.       A Administração deve sopesar, no caso concreto, as consequências da multiplicação de contratos que poderiam estar resumidos em um só, optando, então, de acordo com suas necessidades administrativas e operacionais, pelo gerenciamento de um só contrato com todos os itens ou de um para cada fornecedor. É claro que essa possibilidade deve ser exercida dentro de padrões mínimos de proporcionalidade e de razoabilidade[3] (grifou-se e negritou-se).
 
Após atenta leitura dos trechos acima transcritos, dois elementos merecem especial destaque:
a) Note-se que, além da necessidade de comprovação dos requisitos já mencionados para o parcelamento do objeto, a licitação deflagrada no caso analisado pela Corte de Contas Federal foi anulada em razão da impossibilidade de execução de vários contratos concomitantemente, frente à “ dificuldade de se gerenciar a inevitável interferência entre os serviços abrangidos por contratos diferentes”(grifou-se e negritou-se). Dessume-se, portanto, que se um objeto, ainda que possa ser, em uma primeira análise, divisível, se for inconteste a mistura e interferência entre os contratos derivados de cada item parcelado, executados por empresas diferentes, não se consideraria irregular sua adjudicação por menor preço global. E ainda, se o parcelamento resultou em perda de economia, haja vista ter ficado mais caro contratar separadamente do que avençar um único contrato.
b) Mais adiante, no Acórdão nº 2.796/2013, o TCU assevera que a “adjudicação por grupo ou lote não pode ser tida, em princípio, como irregular”, e admite que “ a perspectiva de administrar inúmeros contratos por um corpo de servidores reduzido pode se enquadrar, em nossa visão, na exceção prevista na Súmula nº 247, de que haveria prejuízo para o conjunto dos bens a serem adquiridos” (grifou-se e negritou-se). Logo, a possível ineficiência na gestão e fiscalização de serviços, oriunda muitas vezes de uma Administração com quadro pessoal de servidores bastante reduzido, como acontece, em inúmeros Órgãos/Entidades, pode, na visão do TCU, servir de supedâneo para utilização do critério global.[4]

A premissa da Súmula 247 seria que “a regra geral deve ser a adjudicação por item” e “a adjudicação por preço global deve ser justificada” (Acórdão nº 2.438/2016 - Plenário) (grifou-se). Tal entendimento pode ser extraído, do mesmo modo, no Acórdão nº 2.695/2013, que menciona o Acórdão nº 2.977/2012, ambos do Plenário:
 
A adjudicação por grupo, em licitação para registro de preços, sem robustas, fundadas e demonstradas razões (fáticas e argumentativas) que a sustente, revela-se sem sentido quando se atenta para o evidente fato de que a Administração não está obrigada a contratar adquirir a composição do grupo a cada contrato, podendo adquirir isoladamente cada item, no momento e na quantidade que desejar.
(...)
O que fica registrado quando a adjudicação se dá pelo menor preço por grupo, não é o menor preço de cada item, mas o preço do item no grupo em que se sagrou vencedor o futuro fornecedor.
Embora não fosse necessário, por ser evidente, devo observar que a mera similaridade entre itens não é critério hábil para fundamentar a formação de grupos/lotes.
(...)
Em modelagens dessa natureza, é preciso demonstrar as razões técnicas, logísticas, econômicas ou de outra natureza que tornam necessário promover o agrupamento como medida tendente a propiciar contratações mais vantajosas, comparativamente à adjudicação por item. É preciso demonstrar que não há incoerência entre adjudicar pelo menor preço global por grupo e promover aquisições por itens, em sistema de registro de preços (grifou-se).
 
Seguindo a mesma inteligência, o Acórdão nº 1.237/2014 – Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) não emitiu entendimento absoluto, impeditivo da adjudicação global; ao revés, informa que “a regra é adjudicação por item, salvo em caso de economia de escalas” (grifou-se), entre outras considerações. Vale dizer, ainda, que o caso concreto analisado pela E. Corte tratava-se da aquisição de gêneros alimentícios diversos.
Acrescente-se ainda, que a matéria em exame não é pacificada no TCU, a exemplo do Acórdão nº 3.081/2016 - Plenário. Veja-se:
 
3. Nas licitações por lote para registro de preços, mediante adjudicação por menor preço global do lote, deve-se vedar a possibilidade de aquisição individual de itens registrados para os quais a licitante vencedora não apresentou o menor preço.
Representação formulada por empresas comunicou supostas irregularidades em pregão eletrônico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para registro de preços de serviços de outsourcing de impressão.  Na análise de mérito, o relator considerou que, embora tenham ocorrido falhas, elas foram oportunamente sanadas pela entidade e que não houve prejuízo à isonomia, à economicidade e à competitividade do certame. Não obstante, ao se deter sobre a ocorrência de uma possível “incompatibilidade entre a modelagem do certame e a previsão de participação de órgãos e entidades da administração pública e de adesões à ata face o disposto nos Acórdãos 2.695/2013-TCU-Plenário e 343/2014-TCU-Plenário”, o relator registrou que “as mencionadas decisões tratam de licitações com vistas ao registro de preços e apontam para a obrigatoriedade da adjudicação por item como regra geral, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes e a seleção das propostas mais vantajosas, sendo a adjudicação por preço global medida excepcional que precisa ser devidamente justificada, além de incompatível com a aquisição futura por itens. Na mesma linha, Acórdãos 529, 1.592, 1.913 e 2.796/2013-TCU-Plenário”. No caso em exame, entendeu não ter havido irregularidade no agrupamento de itens, uma vez ter a Fiocruz justificado adequadamente a necessidade de os serviços serem prestados conjuntamente. Contudo, tendo em vista a possibilidade de adesão à ata por outros órgãos e entidades não participantes, o relator considerou necessário determinar à Fiocruz “que se abstenha de autorizar a adesão à ata de registro de preços para aquisição separada de itens de objeto adjudicado por preço global para os quais a licitante vencedora não tenha apresentado o menor preço, assim como a autorização de caronas a órgãos não participantes, sem que estes obedeçam aos critérios estabelecidos”, no que foi acompanhado pelo Colegiado. (TCU. Acórdão 3081/2016 - Plenário, Representação, Relator Ministro Bruno Dantas) (grifou-se).
 
Pode-se concluir, portanto, que o administrador, identificando que a melhor solução para a licitação do objeto pretendido é a adoção do critério de julgamento “menor preço” global, deve elaborar sua justificativa expondo os fundamentos que demonstrem que o objeto não comporta materialmente a divisão, sem qualquer prejuízo; que a divisão não é a opção mais vantajosa para a Administração, do ponto de vista técnico e econômico, inclusive evidenciando-se a eventual interferência entre os futuros contratos e a impossibilidade de administrar inúmeros contratos por um corpo de servidores reduzido.
 

  
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 366
[2] TCU. Acórdão nº 1.808/2011. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Marcos Bemquerer. Data da Sessão: 06/07/2011.
[3] TCU. Acórdão nº 2.796/2013. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro José Jorge. Data da Sessão: 16/10/2013.
[4] Uma pequena ressalva merece guarida: malgrado o entendimento do TCU, há de sopesar-se que a dificuldade em fiscalizar inúmeros contratos não encontra correspondência na Lei nº 8.666/93, para a rejeição do parcelamento do objeto, ao contrário das outras hipóteses quanto à vantajosidade econômica ou de prejuízo ao complexo.