Tipo de julgamento "menor preço" e "técnica e preço" nas licitações
  
  
  
Qual o critério para a escolha?
  
Publicado em 01 de março de 2018
 
Por Jacinta Macedo Birkner Guimarães


  
Antes de adentrar nos meandros do tema suscitado, é de suma importância delinear brevemente alguns aspectos inerentes à Administração Pública.
 
Sabe-se que ao ente público são concedidas algumas prerrogativas, com base no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado; princípio este, voltado para o alcance dos fins públicos. No entanto, no agir administrativo, a Administração não pode atuar com total liberdade, devendo ater-se ao ordenamento jurídico. É o que informa o princípio da legalidade estrita, no qual a Administração, diferentemente do particular, é obrigada a operar sob o manto da lei. Significa dizer "que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize”.[1]
 
Conquanto, a própria lei, por vezes, oferece uma margem de escolha para o administrador. Ele continua atuando conforme a regra legal, mas possui o poder de selecionar, dentre as opções oferecidas e atendidos possíveis critérios, aquela alternativa que melhor atenderá o interesse da Administração e ao interesse público. É o que se chama discricionariedade. Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece este conceito com maestria:
 
... o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe limitações. Daí por que se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei [2] (grifou-se).
 
Com efeito, em virtude da discricionariedade concedida à Administração, voltando-se à pergunta em tela, a escolha do tipo de julgamento da licitação estará adstrita ao disposto na Lei nº 8.666/93, em específico, em seus arts. 45, §1º, e 46:
 
Art. 45.  O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.
§1º  Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso:                 
I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;
II - a de melhor técnica;
III - a de técnica e preço.
IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.
§4º  Para contratação de bens e serviços de informática, a administração observará o disposto no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, levando em conta os fatores especificados em seu parágrafo  2º e adotando obrigatoriamente o tipo de licitação "técnica e preço", permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo.                    
§5º  É vedada a utilização de outros tipos de licitação não previstos neste artigo (grifou-se).                
 
Art. 46.  Os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4o do artigo anterior.                    
(...)
§3º Excepcionalmente, os tipos de licitação previstos neste artigo poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório (grifou-se).
 
Após atenta leitura destes dispositivos, algumas ressalvas merecem guarida, mormente quanto aos tipos "menor preço" e "técnica e preço", mais utilizados pela Administração e tema desse estudo.

Primeiramente, vale lembrar que na modalidade Pregão, estatuída pela Lei nº 10.520/02,  o único tipo permitido é o "menor preço", nos termos do seu art. 4º, inc. X.  A dinâmica do Pregão é justamente pautada pela celeridade, como também pela sua finalidade, traçada no caput do art. 1º da mesma lei, para a aquisição de bens e serviços comuns, sendo estes classificados como detentores de características básicas (conforme parágrafo único do mencionado artigo), "cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado". Ora, se são comuns e podem ter sua discriminação elaborada mediante parâmetros comumente utilizados no mercado, não há que se falar em análise técnica. A mesma lógica aplica-se à modalidade Convite, que por ser mais simples, não admitiria o tipo de julgamento "técnica e preço".[3]
 
Em seguida, veja-se que o legislador dá preferência de utilização do tipo de julgamento "menor preço", em relação à "técnica e preço", sendo esta relegada à adoção mediante justificativa e autorização expressa, nos moldes enunciados no supra citado §3º, do art. 46 da Lei nº 8.666/93. Como exemplo, toma-se o Tribunal de Contas da União (TCU): analisando a ausência de justificativas suficientes e que atendessem aos requisitos dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.666/93, na adoção de uma Concorrência no tipo "técnica e preço", a E. Corte emitiu o seguinte entendimento:
 
Contratação de bens e serviços de informática: 1 – De modo geral, a licitação para que sejam contratados bens e serviços de informática deve ocorrer por pregão
Representações foram apresentadas ao Tribunal, em face de possíveis irregularidades no Edital da Concorrência Pública nº 471/2009-00, do tipo técnica e preço, conduzida pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - (DNIT), para contratação de empresa para executar serviços necessários ao controle viário nas rodovias federais, mediante a disponibilização, instalação, operação e manutenção de equipamentos eletrônicos, com coleta, armazenamento e processamento de dados estatísticos e dados e imagens de infrações, divididos em doze lotes. Dentre tais irregularidades, identificou-se que o objeto, tal como definido no edital do certame, não se enquadraria na condição de prestação de serviço de grande vulto, dependente de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, não preenchendo, portanto, os requisitos previstos no §3º do art. 46 da Lei nº 8.666, de 1993, nem nas hipóteses referidas no caput do mesmo artigo e no §4º do art. 45 da referida Lei, para que restasse justificado o uso do tipo técnica e preço. Nesse quadro, a unidade técnica destacou que o orçamento da Concorrência 471/2009, pela composição apresentada (52,8% - disponibilização de equipamentos/sistemas; 23,0% - manutenção de equipamentos/sistemas; 8,7% - processamento; 5,0% - infraestrutura; 4,6% - coordenação; 4,2% - seguro de equipamentos; 1,3% - atualização tecnológica; 0,5% - estudo técnico), denotaria não haver predominância de serviços de natureza intelectual, a indicar a adequação do tipo de licitação utilizado. Destacou, ainda, que tal ponto de vista estaria em linha com o do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o qual entenderia que bens e serviços de informática comuns são aqueles que envolvem a presença de duas características fundamentais: “a disponibilidade e a padronização, isto é, aqueles que podem ser fornecidos a qualquer tempo, em face da existência de uma atividade empresarial estável, e suas qualidades e atributos são precedentemente definidos e de modo uniforme”. Para o relator inexistiria discricionariedade para o uso do pregão por parte do gestor público, que seria a modalidade, a princípio, a ser utilizada no caso concreto, “uma vez que a licitação de bens e serviços de tecnologia da informação considerados comuns, ou seja, aqueles que possuam padrões de desempenho e de qualidade objetivamente definidos pelo edital, com base em especificações usuais no mercado, deve ser obrigatoriamente realizada pela modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica”, conforme precedentes jurisprudenciais do Tribunal. Por essa e por outras irregularidades, o relator, ao concluir pela procedência parcial da representação, votou por que fosse fixado o prazo de quinze dias para o DNIT suspender e corrigir as impropriedades do certame, bem ainda pela expedição de alerta à instituição, quanto a outros fatos aferidos no processo. Precedente citado: Acórdão 2471/2008, do Plenário. Acórdão n.º 2353/2011-Plenário, TC-022.758/2009-9, rel. Min. Raimundo Carreiro, 31.08.2011[4] (grifou-se).
 
Em outro caso, agora tratando-se de contratação de serviços de organização e produção de eventos, o TCU também se pronunciou pela possibilidade da utilização do Pregão (relembre-se, modalidade em que se avalia somente o menor preço, observados os demais requisitos do edital), desde que baseado no projeto básico e executivo previamente elaborado; e mais recentemente, corroborando com outras decisões, admitiu a viabilidade de contratação de serviços de organização de eventos por meio de Sistema de Registro de Preços (SRP). Observe-se:
 
É admitido o uso da modalidade pregão nas contratações de serviços de organização e produção de eventos, desde que todo o processo criativo seja definido nos projetos básico e executivo que nortearão a concretização do evento.
Representação formulada por equipe de fiscalização do TCU apontara, dentre outras ocorrências, a utilização de modalidade indevida de licitação (pregão eletrônico) para contratação da execução das cerimônias de abertura e encerramento dos V Jogos Mundiais Militares. Para a equipe de fiscalização, o objeto da contratação seria de natureza complexa, e não se enquadraria na definição de serviços comuns prevista no art. 1º da Lei 10.520/02. Ao analisar o ponto, o relator anotou que “embora o objeto da contratação … tenha escopo bastante abrangente, não se pode considerá-lo, a priori, serviço de natureza complexa, pois todo o processo criativo foi definido nos projetos básico e executivo que nortearam a concretização desses eventos”.  Explicou o relator que, na elaboração desses projetos, o diretor de criação elaborou o roteiro final, documento que representa a última peça de criação e traduz o pensamento visual do espetáculo. Nesse sentido, “estabelecidas as diretrizes dos projetos e elaborado o roteiro final, a realização do evento passa a ser meramente atividade executiva, a exigir a contratação de empresa com capacidade operacional para mobilizar e gerenciar recursos, pessoas e equipamentos para concretização das cerimônias”. Acrescentou que “os serviços de produção comportam uma verdadeira estrutura técnica de pessoal e material para colocar em prática o desenho do espetáculo visualizado pelo Diretor de Criação”, contando ainda com a supervisão técnica do projetista, que avalia e aprova os serviços prestados pela empresa contratada. Por fim, concluiu o relator: “mesmo consideradas essas peculiaridades, os serviços de produção desses tipos de eventos podem ser tidos como comuns dentro do referido ramo empresarial”, destacando ainda que, no caso concreto, nove empresas participaram da fase de lances. Não havendo indícios de restrição à competitividade do certame, o Tribunal, na linha defendida pelo relator, acolheu as justificativas apresentadas pelo responsável quanto ao ponto, julgando a Representação parcialmente procedente. Acórdão 158/2015-Plenário, TC 007.066/2012-0, relator Ministro Walton Alencar Rodrigues, 4.2.2015[5] (grifou-se)
 
Admite-se a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de organização de eventos, porque passíveis de padronização, desde que adotadas medidas voltadas a evitar a ocorrência de jogo de planilha e a utilização indevida por órgãos não participantes, e que haja planejamento adequado, especialmente para definição realista dos quantitativos estimados de serviços.
Resumo
Representação formulada por licitante apontara possíveis irregularidades em pregão eletrônico para registro de preços promovido pela Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras) , destinado à contratação sob demanda de serviços de organização de congressos, exposições, feiras e eventos congêneres, com a viabilização de infraestrutura e fornecimento de apoio logístico para a estatal e subsidiárias participantes. Em síntese, a representante alegara não ser possível a contratação de serviços dessa natureza – organização de eventos com futuras aquisições – por meio do sistema de registro de preços. Analisando o mérito, observou o relator que o TCU tem se inclinado a admitir a utilização do sistema de registro de preços para a contratação de serviços de organização de eventos, reconhecendo tais serviços como padronizáveis, desde que adotadas medidas voltadas a “evitar a ocorrência de jogo de planilha e de utilização indevida por órgãos não participantes, e ressaltando a importância de que haja planejamento adequado, especialmente para definição realista dos quantitativos estimados de serviços, a exemplo do que fora consignado no Acórdão 1.678/2015-TCU-Plenário”. Na mesma linha, acrescentou, foram as deliberações consubstanciadas nos Acórdãos 2857/2016-TCU-Plenário, 115/2016-TCU-Plenário, 95/2016-TCU-Plenário e 1120/2010-TCU-2ª Câmara. Não obstante outra irregularidade observada nos autos, por considerar ampla a competição ocorrida no certame e que a proposta vencedora apresentou valores inferiores aos do contrato anterior, manifestou o relator concordância ‘com a avaliação da Unidade Técnica quanto à procedência parcial desta representação e à possibilidade de prosseguimento do certame’. Nesses termos, acolheu o Plenário a proposta da relatoria para, considerando parcialmente procedente a representação, indeferir o pedido de medida cautelar formulado pela representante e, entre outras medidas, determinar à Eletrobras que “abstenha-se de permitir adesões tardias de entidades não integrantes do grupo assistido pelo ‘Centro de Serviços Compartilhados’ da Eletrobras à ata de registro de preços decorrente do pregão eletrônico 5/2017, em razão do risco de prática de ‘jogo de planilha’”[6] (grifou-se)
 
Em síntese, de todo o exposto, pode-se concluir que:
 
a) A regra geral é a licitação que tem por critério de julgamento o "menor preço";
 
b) De acordo com o TCU, no emblemático Acórdão nº 1.631/2005 - Primeira Câmara:
 
Somente utilize a licitação do tipo técnica e preço para serviços com características eminentemente de natureza intelectual, de modo a atender o disposto nos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.666/1993, excluindo dessa licitação a aquisição de bens que, ainda de informática, sejam de fácil obtenção no mercado, mediante a prévia especificação, e ainda os serviços comuns para a operação do sistema a ser desenvolvido/adquirido.
 
Ou seja, a licitação do tipo "técnica e preço" só pode ser empregada para a contratação de serviços de natureza intelectual, e "em caráter excepcional, para o fornecimento de bens e execução de obras que dependem de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito",[7] nos estritos termos dos arts. 3º, 45 e 46 da Lei nº 8.666/93, respeitando-se, especialmente, o art. 37, inc. XXI da Constituição da República.




[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 105.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 221.
[3] Em que pese não haver vedação normativa para que se procedimentalize um Convite do tipo "técnica e preço", tal interpretação é extraída do inc. I, art. 45, da Lei nº 8.666/93 ao referir-se "com as especificações do edital ou convite", bem como da natureza ínsita do Convite, já mencionada, de ser uma modalidade mais simples e ágil.
[4] TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 78/2011.
[5] TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 229/2015.
[6] TCU. Acórdão nº 1.175/2017 - Plenário. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Data da Sessão: 07/06/2017.
[7] BITTECNCOURT, Sidney. Licitação Passo a Passo. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 480.



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